26 abril 2011

Boa Leitura


De aluno comum a estudante espetacular

Esta crônica se inspira em uma simples e rápida pesquisa que concluí. Durou menos de dois minutos e por essa razão se sugere que não a aceite, sem antes também fazê-la.
Apanhe um livro qualquer, dando preferência à literatura. Pode ser um romance, contos, podem ser crônicas. Tenha ao lado um relógio, preferencialmente com ponteiros, e registre o tempo que gastou para ler uma página. Não se trata de teste de leitura dinâmica e menos ainda qualquer processo competitivo e, assim, leia com calma e serenidade, refletindo sobre as idéias expostas e a conexão entre os períodos. Quanto tempo se gastou? A velocidade varia muito conforme as dificuldades do texto e a experiência do leitor, mas oscila entre um a dois minutos, permitindo dessa forma que se acredite que um minuto e meio é o tempo necessário para se ler, de maneira compreensiva, cerca de cento e setenta palavras por minuto.
Imagine agora uma pessoa que assuma o compromisso de investir quinze minutos – apenas quinze minutos diários – para se dedicar à leitura. Essa pessoa estará lendo dez páginas por dia, cerca de cem páginas em dez dias. Como em média os livros editados no país possuem cerca de 200 páginas é fácil concluir que esse dedicado leitor possa estar lendo nada menos que um livro a cada vinte dias, nada menos que 18 livros por ano.
 Façamos agora uma pausa nessas reflexões e nos perguntemos o que de verdadeiramente útil e essencial cabe no espaço de 15 minutos diários. Uma atividade aeróbica ou uma caminhada pelo campo? Uma imersão reflexiva na profundidade de uma novela ou de uma peça teatral? Um esforço direcionado para a aprendizagem de uma língua estrangeira? Os trabalhosos cuidados para higiene corporal, maquiagem e arrumação da roupa que se vai usar? Salvo situações verdadeiramente excepcionais e até mesmo dignas de livros de recordes, os quinze minutos diários seriam muito poucos para qualquer uma dessas ou ainda de muitas outras atividades.
A qualidade de vida que hoje felizmente tanto se propala requer pelo menos o dobro desse tempo para uma atividade aeróbica, o quádruplo para capítulo inteiro de novela, bem mais que isso para a aprendizagem de uma língua e, sobretudo em se tratando de minha mulher, pelos menos duas horas ou mais para que se considere apressadamente arrumada. Nada contra o investimento no tempo gasto para essas atividades, pois a boa qualidade de vida exige a todos quantos podem do mesmo tempo dispor, mas a conclusão simples de que bem menos que o tempo que gastamos para muitas coisas, precisaríamos gastar para enriquecer o cérebro, viajar pelos sonhos, superar desafios, aprender saberes.
 Não se está usando os minutos contidos nesta pesquisa para se dar um recado ou uma indireta aos professores que alegam nunca dispor de tempo para ler; afinal de contas se você chegou a esta linha é porque não se inclui nesse grupo, mas para que se tenha uma serena conversa com os alunos, mostrando pelo desafio estatístico que ler muito e ser excelente requer bem menos tempo que a primeira vista se imagina.
 Talvez não se perceba com claro discernimento entre nossos alunos os que gastaram trinta minutos de seu dia em atividades corporais, mas todos os professores e os colegas, todos os familiares e os vizinhos distinguem com nítido orgulho quem leu e compreendeu, com metade desse investimento em tempo, cerca de sessenta obras em seu ciclo escolar.

 Analfabetismo funcional

Caio acabou de completar dez anos. “Já está completamente alfabetizado!” Garante orgulhoso, seu pai. Um dia, resolvo aferir. Chamo-o a minha sala onde sobre a mesa quatro revistas de atualidades se esparramam. Passo então a tarefa: - Caio, por favor, leia em voz alta para mim o nome das revistas!
 - Ah, isso é fácil.
 Olha atentamente para cada capa e depois de algum tempo, soletra: VE-JÁ, É-PO-CA, CA-R-TA, ISTO E. Esquece o acento na última, mas olha orgulhoso para mim.
 - Parabéns, Cássio. Vejo que você já sabe ler o nome dessas revistas. Diga, agora, o que significam esses nomes?
 Não entendeu a pergunta. Insisti:
 - Por quê são nomes de revistas? Não poderiam, por exemplo, serem nomes de uma borracharia, uma lanchonete, um salão de barbeiros? Achou que sim, sua alfabetização não permitia atribuir significação ao nome. Sempre brincando, provoquei:
- Caio, faça de contas que esses nomes ficam proibidos de serem usados, mas os redatores querem um nome semelhante! Que nomes dariam? Não entendeu a pergunta, não sabia o que era “redator”, não imaginava que “semelhante” seria o mesmo que “igual”.
 Reformulei a questão, já sem esperança. Meu pessimismo se confirmou ainda que eu não o demonstrasse. Para Caio, aglutinar sílabas era possível, mas representava tarefa irreal associar a palavra ao seu significado, quanto mais a possíveis sinônimos. Insisti:
-Vamos fazer uma brincadeira, Caio. Vou apresentar vários nomes e gostaria que você escolhesse o que melhor poderia ser utilizado, caso a palavra “Época” fosse um palavrão. Vamos lá: “Olhe”, “Fase”, “Perceba”, “Portanto”, “Período”, “Tempo”...
 - Já escolhi. Achei legal “Perceba”...
 - Bem, Caio. Gosto não se discute, mas porque “Perceba”? Essa palavra não ficaria melhor como nome de uma das outras duas revistas?
 - Claro. É um nome legal...
 - Caio, se por acaso você tivesse um são de beleza, acha que o nome “Perceba”, ficaria bem?
 Caio não entendeu minha pergunta e, ao sentir que já começava a se chatear mudei de assunto. Perguntei sobre as coisas que gosta e indaguei sobre sua escola. Respondeu sorrindo:
 -Já estou no quarto ano. Sabia que sou o melhor aluno da classe. A menor nota que eu já tirei foi um oito, em História! Completou.


Como trabalhar o consumismo

Henrique adora a visita da avó. Espera pela mesma com ansiedade e esta se torna crescente nos momentos que antecede a sua chegada. Esta, quando chega distribui afagos e abraços, beijos e balas e, de imediato, carrega Henrique para o Shopping onde externa seu amor comprando-lhe todos os sorvetes que anseia todos os brinquedos que reclama, todas as novidades que implora. Henrique adora a avó ou adora o consumismo que sua avó propõe. Se a avó de Henrique desaparecer, lamentará a perda de uma amiga querida, ou reclamará a falta da liberdade irrefreável de, através a avó, fazer-se consumidora?
Não se pense que está crítica seja destinada a Avó ou aos pais de Henrique por não refrear sua ação puramente consumista, escondida na impressão de afeto. Menos ainda seria legítimo pensar que os fatos revelados pretendam crítica a criança. A grande verdade é que adultos e crianças nos tempos de agora estão perdendo a autoridade do “não” e a rapidez com que essa perda se manifesta encontra apoio nas campanhas de marketing, que a cada segundo incutem valores materiais nos programas que inventam, nos atraentes comerciais que criam, nas insidiosas mensagens que induzem os pequenos a se compararem e a reclamarem não querer sentir-se diferente dos demais.
O duelo de forças é desigual: de um lado uma família e uma escola e seus conhecidos limites, do outro, empresas de sólidos investimentos em prospecção que buscam os melhores especialistas em marketing e propaganda, psicólogos treinados para, sem limite de verbas, inventariarem o que a criança deseja, quais são suas fraquezas e como fazê-la desejar o que ainda não tem. Existe alguma chance de se vencer essa guerra?
Existe. Mas, seguramente não é fácil.
A primeira arma dos pais e dos professores nesse embate é indiscutivelmente o tempo. Quando não se tem tempo e quando se busca a TV como parceira para entreter a criança, libertando-nos de uma dolorosa perseguição, é evidente que a guerra está perdida e a única alternativa que sobra é rezar para que a Avó generosa não falte ou, mais ainda, que não falte a ela ilimitados recursos para prover os netos do que querem hoje, para desprezar amanhã. Se, ao contrário, se abre espaço de um tempo, a criança necessita ser escutada – porque escutar é bem mais que se ouvir – e tornam-se importantes conversas diárias, não repreendendo o consumismo, mas mostrando que existe encanto em coisas simples, passeios singelos, desafios interessantes que vão das bolinhas de gude, à travas-língua, das histórias extraídas de livros e narradas com inefável e cotidiana ternura. Esse mesmo tempo, pode ser lenitivo para que a criança aprenda a descobrir que existem coisas admiravelmente valiosas que não podem ser compradas: Quando vale uma árvore que se planta? Uma flor que se colhe no passeio que se faz?
A segunda arma é a aprendizagem. Os pais não nascem sabendo brincar de forma significativa com seus filhos, nem externassem com bulas onde se prescreve a forma de sentirem-se estimulados. Mas, se é verdade que pais e professores precisam aprender, não é menos verdade que existem livros excelentes, programas admiráveis, projetos fantásticos para se envolver a criança em estimulações lúdicas em que, pouco a pouco, aprendem a conversar, ceder, concordar, argumentar e não gastar. Da mesma forma como não se conquista o corpo malhado com o qual se sonha, sem um programa de atividade marcado por regras de periodicidade e empenho, também não se combate a violência consumista das crianças sem um envolvimento em projetos onde os pais reservam um tempo para aprender a vencer esse inimigo e, depois, um tempo ainda mais gostoso para brincar com seus filhos, brincadeiras que estimulam suas inteligências, amadurecem seus afetos e se não os libertam do anseio consumista, ao menos permitem que se os mesmos possam se adequar à dimensão das despesas possíveis dos país.
Um detalhe final. Não se preocupe em arrumar tempo e participar de projetos de estímulos se você mesmo é, segundo os marqueteiros, um adorável consumista.


A AJUDA DOS PAIS PARA CRIANÇAS QUE COMEÇAM A APRENDER A LER (para pais e educadores)

A tarefa de alfabetizar uma criança é atividade para profissionais. Somente a escola e somente bons professores sabem escolher método mais atualizado, conhecem os saberes infantis no contexto escolar e, dessa forma, podem alfabetizar com segurança. Uma ajuda realizada por pessoas estranhas ao método pode representar mal não menor, que a de alguém que sem preparo específico em uma sala cirúrgica pensa que pode atuar. É por essa razão que quando pais e mães, tios e avós sentem que podem ajudar uma criança a aprender a ler, o que de melhor devem fazer é procurar a escola e com os profissionais da alfabetização, descobrir caminhos em que a intervenção efetivamente colabore. Quando, entretanto, essa possibilidade não se mostra tangível, é importante conhecer alguns procedimentos que ajudando a criança a se envolver com o universo do letramento, em nada atrapalha seu processo de alfabetização e pode ainda positivamente contribuir para que, aprendendo na escola, torne-se leitora melhor.

Entre esses procedimentos, julgamos interessante sugerir:

  • Na entrada da casa, mostre que o mundo da leitura se faz presente no catálogo telefônico que ali, por acaso se acha; em um calendário eventualmente pendurado na parede, quem sabe mesmo neste ou naquele quadro que ainda que não tenha palavras, suscita a vontade de saber se é ou não assinado, quem é seu autor. Inserir a criança no mundo do letramento é ajudá-la descobrir que existem palavras em toda parte e que estas expressam indicações, idéias, orientações. Não é essencial que “se traduza” para a criança a palavra que ali está, mas que possa tornar-se aventureira no desafio de perceber como a sociedade cerca-se de palavras escritas e como é importante na escola aprendê-las.
  • Outro espaço de valor inestimável para essa imersão infantil no mundo da palavra é a cozinha sempre rica em receitas, produtos com rótulos, eletrodomésticos com embalagens ou com dizeres que representam continuidade nesse percurso de descoberta. Não é necessário que esse passeio seja realizado em um só dia; ao contrário é ainda mais útil que a curiosidade da criança, acesa em um aposento a leve perguntar coisas sobre palavras, impressas em rótulos, recados, decorações, etc.
  • Da mesma forma que a cozinha, também o banheiro sempre cheio de remédios, desodorantes, pastas e escovas de pentes, produtos capilares e outros, muito outros, se afiguram úteis.Não apenas o banheiro, mas também um escritório, uma sala de jantar ou mesmo um terraço exibe sempre imenso universo de coisas escritas que podem se prestar a desafios interessantes. É essencial que o acordar dessa curiosidade seja espontâneo e que os desafios não abriguem vontade de acerto. – O que será que está escrito aqui? Você acha que é isso mesmo? Será que não poderia ser outra coisa? Nesta oportunidade, a curiosidade da criança a motiva e uma forma infeliz de truncá-la é assumir o papel de sábio letrado que para cada pergunta, tem sempre uma resposta a oferecer.

Uma ajuda sistemática; um pouquinho hoje, um retorno amanhã; um perpétuo ponto de interrogação sempre pronto para acender a vontade da busca toma em verdade pouco tempo e muito ajuda. Emília Ferreiro sempre destacou que dois mitos na alfabetização merecem cair: o primeiro é de que a alfabetização se encerra na escola e o segundo é de que basta a um adulto saber ler, para que possa a uma criança ensinar a ler. Verdadeiros profissionais não se substituem, mas aceitam com carinho a proposta interessante de uma ajuda bem pensada.

Celso Antunes

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