De aluno comum a estudante espetacular
Esta crônica se inspira em uma simples e rápida pesquisa que concluí. Durou menos de dois minutos e por essa razão se sugere que não a aceite, sem antes também fazê-la.
Apanhe um livro qualquer, dando preferência à literatura. Pode ser um romance, contos, podem ser crônicas. Tenha ao lado um relógio, preferencialmente com ponteiros, e registre o tempo que gastou para ler uma página. Não se trata de teste de leitura dinâmica e menos ainda qualquer processo competitivo e, assim, leia com calma e serenidade, refletindo sobre as idéias expostas e a conexão entre os períodos. Quanto tempo se gastou? A velocidade varia muito conforme as dificuldades do texto e a experiência do leitor, mas oscila entre um a dois minutos, permitindo dessa forma que se acredite que um minuto e meio é o tempo necessário para se ler, de maneira compreensiva, cerca de cento e setenta palavras por minuto.
Imagine agora uma pessoa que assuma o compromisso de investir quinze minutos – apenas quinze minutos diários – para se dedicar à leitura. Essa pessoa estará lendo dez páginas por dia, cerca de cem páginas em dez dias. Como em média os livros editados no país possuem cerca de 200 páginas é fácil concluir que esse dedicado leitor possa estar lendo nada menos que um livro a cada vinte dias, nada menos que 18 livros por ano.
Façamos agora uma pausa nessas reflexões e nos perguntemos o que de verdadeiramente útil e essencial cabe no espaço de 15 minutos diários. Uma atividade aeróbica ou uma caminhada pelo campo? Uma imersão reflexiva na profundidade de uma novela ou de uma peça teatral? Um esforço direcionado para a aprendizagem de uma língua estrangeira? Os trabalhosos cuidados para higiene corporal, maquiagem e arrumação da roupa que se vai usar? Salvo situações verdadeiramente excepcionais e até mesmo dignas de livros de recordes, os quinze minutos diários seriam muito poucos para qualquer uma dessas ou ainda de muitas outras atividades.
A qualidade de vida que hoje felizmente tanto se propala requer pelo menos o dobro desse tempo para uma atividade aeróbica, o quádruplo para capítulo inteiro de novela, bem mais que isso para a aprendizagem de uma língua e, sobretudo em se tratando de minha mulher, pelos menos duas horas ou mais para que se considere apressadamente arrumada. Nada contra o investimento no tempo gasto para essas atividades, pois a boa qualidade de vida exige a todos quantos podem do mesmo tempo dispor, mas a conclusão simples de que bem menos que o tempo que gastamos para muitas coisas, precisaríamos gastar para enriquecer o cérebro, viajar pelos sonhos, superar desafios, aprender saberes.
Não se está usando os minutos contidos nesta pesquisa para se dar um recado ou uma indireta aos professores que alegam nunca dispor de tempo para ler; afinal de contas se você chegou a esta linha é porque não se inclui nesse grupo, mas para que se tenha uma serena conversa com os alunos, mostrando pelo desafio estatístico que ler muito e ser excelente requer bem menos tempo que a primeira vista se imagina.
Talvez não se perceba com claro discernimento entre nossos alunos os que gastaram trinta minutos de seu dia em atividades corporais, mas todos os professores e os colegas, todos os familiares e os vizinhos distinguem com nítido orgulho quem leu e compreendeu, com metade desse investimento em tempo, cerca de sessenta obras em seu ciclo escolar.
CELSO ANTUNES
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